O silêncio cresce como um câncer

Diante de 300 mil mortes pela Covid-19 no Brasil, o presidente busca manter o foro privilegiado de um ministro incompetente, enquanto elites se recusam a romper o silêncio

Marcelo Monteiro
2 min readMar 22, 2021
Foto: Divulgação/HC Porto Alegre

Dia após dia, recorde atrás de recorde, o Brasil se aproxima da apavorante marca de 300 mil vítimas da pandemia de Covid-19. Num cenário que nunca deixou de ser assustador, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) segue brincando de não ter responsabilidade por tudo o que não diz respeito à ficha criminal de seus filhos e aliados.

Desde a semana passada, o Brasil aguarda pela posse do novo ministro da Saúde — o quarto desde o começo da pandemia. O médico Marcelo Queiroga está para assumir o cargo assim que Bolsonaro descobrir onde deixar Eduardo Pazuello. Investigado em uma série de inquéritos que apuram uma eventual inação de sua gestão, principalmente na falta de oxigênio hospitalar em Manaus, o general pode perder o foro privilegiado ao deixar o ministério, o que levaria as investigações para a primeira instância.

As classes dominantes seguem num discurso ambíguo de que a condução da pandemia precisa melhorar, mas se recusam a dizer, em voz alta e com todas as letras, que Jair Bolsonaro é o grande culpado pelo desastre na saúde pública. Tanto a elite política, quanto a econômica, seguem sem admitir que, independente de quem estiver ocupando a cadeira de ministro da Saúde, o presidente é quem continuará dando ordens contra o isolamento, o uso de máscaras, o fechamento do comércio, às medidas de restrição de circulação e, mais recentemente, de passar a perseguir governadores que as decretam, mesmo tendo a liberdade para tal assegurada pelo Supremo Tribunal Federal.

De um lado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não quis se comprometer com a instalação de uma CPI da Covid-19, mesmo tendo as assinaturas necessárias para a sua abertura. Nem a morte de um colega, o senador Major Olímpio, o faz mudar de ideia. Do outro, uma carta escrita pela "mão invisível do mercado" e sem destinatário definido pede medidas que combatam à pandemia.

Quando Paul Simon, do icônico duo Simon & Garfunkel, escreveu "o silêncio cresce como um câncer", ele provavelmente estava se referindo a esse tipo de silêncio ensurdecedor que corrobora com uma política desastrosa de saúde pública. A referência se encaixa até ao se tratar de uma doença altamente perigosa, e segue certeira quando diz que, apesar de todos os avisos, as palavras caem como gotas silenciosas de chuva, que ecoam nos poços do silêncio.

Enquanto isso, as pessoas seguem se curvando e rezando ao deus de neon que criaram. E ai de quem ousar atrapalhar o som do silêncio.

--

--

Marcelo Monteiro

Jornalista, com trabalhos em Eixo Político, Tracklist, Jornal NH e finalista do Prêmio ARI/Banrisul 2022